domingo, 31 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 184 - Emanuel Lomelino

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- Encontra alguma razão que justifique terem-lhe atribuído este galardão, só agora, numa fase tão adiantada da sua carreira?

Herculano percebeu imediatamente, pelo extenso sorriso estampado nos lábios da jornalista, as intenções da pergunta colocada. Sem pestanejar, retribuiu o sorriso e respondeu:

- Eu poderia alegar vários motivos para esta distinção. Poderia falar em recompensa justa por todo o meu percurso. Poderia dizer que haviam retificado uma longa injustiça. Poderia afirmar que este júri foi menos parcial que os anteriores. Poderia referir que não houve concorrência à altura. Poderia alardear as minhas extraordinárias capacidades criativas. Poderia referir o meu estado de graça. Poderia falar da qualidade do meu trabalho. Poderia revelar conversas de bastidores. Poderia aludir a cunhas ou a aliciamentos. Poderia contar mil e uma histórias só para deleite de todos os telespectadores. No entanto, a verdade só pode ser uma de duas coisas… - fez uma pausa dramática, sentindo que a sua retórica estava a funcionar como previa, aguçando o apetite de escândalo que o rosto da jornalista revelava. – Finalmente, após décadas, consegui escrever um livro realmente bom ou, em contrapartida, e repetindo as suas palavras, quando anunciaram o meu nome, houve um engano. – não conseguiu evitar uma gargalhada perante o ar ofendido da jornalista, ao perceber que tinha caído no engodo. – Sinceramente, estou mais inclinado para aceitar a segunda hipótese. – concluiu triunfante, olhando directamente para a câmara.

Diário do absurdo e aleatório 183 - Emanuel Lomelino

As questões são pertinentes. Por que diabos procuro adquirir o maior número possível de livros clássicos? Por que razão tenho um fascínio tão grande por obras intemporais? Para quê gastar tempo e dinheiro em literatura? Qual o propósito de reunir tantos, e tão díspares autores, géneros, temáticas, abordagens?

Poderia dar uso a mil e um argumentos, cada um mais válido que o anterior, mas temo que nenhum deles seja inteiramente esclarecedor sem o complemento dos restantes.

Fazê-lo pela metade seria dizer meias-verdades e omitir factos. Enumerar todas as razões revelar-se-ia uma tarefa hercúlea - porque demorada, mas, sobretudo, por ser demasiado fastidiosa para satisfazer a curiosidade alheia.

Assim sendo, e sem o mínimo de temor pelos julgamentos que esta obsessão pode suscitar, deixo ao critério de cada um a avaliação da esquizofrenia que me move.

Diário do absurdo e aleatório 182 - Emanuel Lomelino

Sempre fui apologista das discussões literárias – tertúlias (que não devem ser confundidas com “saraus” porque são eventos distintos) – pela possibilidade que dão para debater conceitos, tanto de criação como de leitura.

Infelizmente, esse género de encontros é cada vez mais raro, para não dizer inexistente, porque as artes deixaram de estar associadas a conceitos filosóficos claros, e os artífices nem sequer sabem definir as suas criações. Tudo é feito pelo simples acto de fazer.

Por outro lado, quando temos a sorte de assistir a uma tertúlia, ficamos com um tremendo amargo de boca pela enxurrada de argumentos vagos, que são proferidos com a maior das convicções, mas sem conteúdo aproveitável ou isento de lacunas.

É triste verificar que, para além do vazio intelectual dos criadores, os consumidores deixaram de ser exigentes e aceitam qualquer coisa. Já não há critério. Já não existe contraponto. Já não há opinião. Já não existe crítica. Só dogmas. Alguém diz que é arte e todos aplaudem, sem hesitar, sem contestar, sem questionar.

Para ser assim mais vale não haver tertúlias. Ou então acabe-se com a arte.

Diário do absurdo e aleatório 181 - Emanuel Lomelino

Quando surgem aqueles dias em que só queremos deitar o esqueleto e simplesmente abraçar a inércia, é necessário um esforço sobre-humano para nos obrigar a cumprir algumas tarefas que, não sendo essenciais, nos propomos executar.

Hoje é um desses dias. Depois de um retemperador banho quente, o corpo começou a insinuar a vontade de ficar estático, imóvel, quieto, estatelado sobre a cama, e não fazer coisa alguma. Creio que ainda houve um momento de hesitação, da minha parte, mas o que tem de ser tem muita força e não posso abrir um precedente porque quando se facilita uma vez…

Para se atingir esta capacidade de não embalar na preguiça é fundamental ter-se um elevado grau de disciplina mental que, no meu caso, acaba por auxiliar bastante, quase como factor determinante para que não haja um só dia sem que eu faça, entre algumas outras coisas, pelo menos, um exercício de escrita.

Diário do absurdo e aleatório 180 - Emanuel Lomelino

Os dias cozinham-se iguais, numa mesmice tão sórdida quanto submissa, sem ensejos nem revoltas.

Lábios gretados, frieiras nas mãos, escaras soltas, narinas empoeiradas, vontade que se esvai, conformismo que se instala.

O cansaço apodera-se, sem tréguas nem piedade. Reavivam-se vis emoções, já sentidas na plenitude da miserabilidade. Também aquela inércia tão lancinante como grilhetas carcerárias.

Mas nem tudo é ácido porque, no final de cada dia, chega sempre o silêncio crepuscular, com livros debaixo dos braços e a habilidade de teletransportar a mente para mundos que anestesiam até que a realidade regresse no buzinar do despertador.

Diário do absurdo e aleatório 179 - Emanuel Lomelino

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Não foi sem assombro que descobri a existência de niilismo na minha personalidade.

Apesar do termo não me ser estranho, por razão do meu interesse artístico-literário, e até conhecer um pouco desta corrente filosófica, nunca deduzi que uma parte de mim pudesse ser influenciada, mesmo que ligeiramente, por esta doutrina.

A verdade é que, em relação à percepção que tenho da vida, com todas as minhas dúvidas e questionamentos, nunca me considerei mais do que céptico, pela simples razão de não conseguir vislumbrar, com carácter decisivo, uma razão válida que justifique a existência de um propósito, ou sentido, pré-definido.

Eis senão quando, nesta fase adiantada da minha existência física, descubro que a descrença num sentido para a vida, tal como ela se revela para mim, é considerado niilismo existencial. Só não sou completamente niilista porque não vejo a humanidade, como um todo, insignificante.

sábado, 30 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 178 - Emanuel Lomelino

Há uma máxima da antropologia que nos diz que para conseguirmos entender melhor outras civilizações temos de colocar de parte tudo o que aprendemos sobre o nosso entorno.

Porque nunca conseguirei ler todos os livros essenciais, não sei se alguém escreveu sobre a aplicabilidade desta ideia em formatos mais reduzidos.

Seja como for, tenho usado esse conceito no intuito de compreender os comportamentos que me cercam e tem dado certo. Pelo menos não fica tão confuso entender as razões que dão origem a atitudes que me são estranhas.

No entanto, a posteriori, levantam-se-me outras questões antropológicas porque, apesar de ter controlo sobre as minhas faculdades, tenho uma mente inquisitiva que recusa viver com dúvidas e não se inibe de colocar novas perguntas, a cada resposta encontrada.

Feito este parêntese, depois de entender os motivos que originam determinada acção, fico a pensar como é possível que, no seio de uma mesma civilização, possam existir comportamentos tão distintos e valores tão díspares.

Entre as várias hipóteses que considerei, só uma consegue apaziguar o turbilhão mental em que, sistematicamente, embarco: o objecto de estudo é o humano, logo, pelas suas características natas, e embora possamos encontrar uma linha condutora, é possível coexistirem incontáveis faces na mesma moeda.

Diário do absurdo e aleatório 177 - Emanuel Lomelino

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Encontrei um companheiro de adolescência, que já não via há anos. Era com ele que eu passava a maior parte do tempo. Éramos uma dupla como Tom Sawyer e Huckleberry Finn, mas a vida separou-nos na idade adulta. Se a memória não me atraiçoa, desde que emigrou para a Noruega, só estive com ele no dia do seu segundo casamento. Entretanto já se divorciou mais duas vezes.

Revê-lo foi um misto de emoções. Por um lado, a satisfação de abraçar o parceiro de mil ocasiões, por outro, a estranheza por não o reconhecer no seu comportamento.

Para evitar ferir suscetibilidades, e porque há sempre quem esteja de prontidão para apontar o dedo, vou saltar a parte que me surpreendeu e dissertar apenas na conclusão que retirei daquilo que ele me disse mais tarde, quando as pessoas que o acompanhavam se ausentaram e ficámos sozinhos.

Infelizmente, estamos a viver um tempo em que os humanos sentem a necessidade de usarem máscaras a toda a hora para se sentirem integrados. As cicatrizes que a vida tatua no âmago e o medo da solidão conseguem desvirtuar a essência e levar as pessoas a terem comportamentos que fogem à sua própria natureza.

No meu íntimo não consigo ser juiz em nenhuma causa, bem pelo contrário, procuro ser o mais tolerante, compreensivo e abrangente possível, em todos os momentos. No entanto, não posso deixar de manifestar a minha preocupação pelo rumo que as sociedades modernas obrigam as pessoas a trilhar para se sentirem, minimamente, aceites. É também por isso que me sinto desenquadrado no tempo.

Quanto a nós S… o lema mantém-se “no meter what, always”.

Diário do absurdo e aleatório 176 - Emanuel Lomelino

Por mais que pense, não consigo encontrar uma razão inequívoca e definitiva que justifique o medo que a generalidade das pessoas tem de estar sozinha, como se ficar ou estar só fosse o tormento mais nefasto que alguém pode experimentar.

Mais incompreensível é o descrédito dado ao isolamento, enquanto fonte de ignição para o raciocínio pacífico, que é o único caminho estável para que exista clareza de ideias e o pensamento não se revelar contaminado pelo entorno.

Creio que a génese desta aversão global é fruto de uma conotação, errada, entre quietude e solidão. Uma não origina nem é, obrigatoriamente, consequência da outra.

O silêncio é a casa da reflexão mais séria e íntegra, logo é benéfica para quem dele usufrui.

Diário do absurdo e aleatório 175 - Emanuel Lomelino

Serôdio semicerrou as pálpebras numa vã tentativa de enxergar os dois vultos embaciados, que passavam diante de si.

- Tens de ir ao oftalmologista! – aconselhou Beatriz pela milésima vez.

- Um dia destes…

- Respondes sempre isso, mas o dia nunca chega.

- Ando com o tempo ocupado.

- Pois. – disse Beatriz num suspiro de enfado. – Quando cegares de vez, quero ver como vais ocupar o tempo. – sentenciou.

Serôdio sentiu todo o impacto das palavras proferidas pela esposa, mas não retorquiu. Sabia que a preocupação dela era legítima e verdadeira. Nos últimos meses os seus olhos revelavam a extensão do cansaço provocado por anos e anos de esforço a que tinham sido sujeitos. O óculo de relojoeiro ainda conseguia disfarçar a deterioração das duas vistas, mas ler os jornais diariamente, aquilo que mais gostava de fazer quando não estava a arranjar os mecanismos dos relógios, passou a ser uma tarefa árdua. As letras encavalitavam-se umas nas outras e, pouco a pouco, perante as dores que sentia para tentar decifrar o corpo das notícias, Serôdio começou a ler somente os títulos, e depois apenas as letras garrafais das capas. Mas o pior de tudo era quando queria ajudar Beatriz na cozinha. Os olhos já não ajudavam a identificar os frascos dos temperos e, acaso ela não estivesse atenta (às vezes acontecia), lá tinham de comer salada temperada com pimenta branca em vez de sal, ou sopa com vinagre em vez de azeite. Pelo menos por ela, a sua companheira de uma vida, ele tinha de arranjar tempo.

- Não passa de amanhã! – disse ele agarrando a mão de Beatriz.

Diário do absurdo e aleatório 174 - Emanuel Lomelino

A vida dedilha-se ao ritmo das horas e, mesmo nas pausas inoportunas, tudo soa a orquestração eterna.

Há um género de maestro invisível – tempo – que cadencia cada passo, como estivéssemos, desde o berço, sujeitos a rigor e disciplina harmónica.

Quando sou assaltado por este pensamento absurdo emerge em mim uma tremenda e imperativa vontade de fazer um improviso jazzístico e deixar-me levar numa pauta em contramão.

Talvez seja o meu lado irreverente a querer demonstrar-me que não se esgotou e ainda tem muitos acordes para tocar e, assim, preencher com novas melodias o grande concerto que tem sido a minha vida.

Diário do absurdo e aleatório 173 - Emanuel Lomelino

Sempre admiti a minha incapacidade para ser original por acreditar que já há pouco por inventar - no máximo consegue-se refazer. E com esta condicionante, embriaga-se-me o ego por saber que alguém, mais astuto, prolífero e com maestria, deu uso ao génio para, com mais estética e credibilidade, escrever uma ideia que já tive, mas disse sem burilar.

Por me faltarem muitos ingredientes para chegar a patamares mais elevados, regozijo-me por descobrir que alguns pensamentos meus ganharam o brilho de outras mentes, como a tua Arthur.

Tal como tu, também acredito que as ovelhas negras existem por despeito dos rebanhos, que se assustam quando alguém demonstra pensamento próprio e não tem medo de o verbalizar.

Por falar em pensamento, Arthur, vou tentar seguir o teu conselho e ser menos displicente na minha forma de escrever. Não vai ser tarefa fácil porque, realmente, como escrevi no primeiro parágrafo, não tenho o hábito de dar muito valor aos meus pensamentos por achá-los isentos de originalidade.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 172 - Emanuel Lomelino

Recuando alguns anos, o processo mais simples de quantificar o grau de inteligência de alguém era o teste de QI, com vinte e dois desafios às aptidões cognitivas.

Criando um segmento de recta, entre a estupidez e a inteligência, algures encontrava-se um ponto intermédio equidistante.

Através desse método científico conseguia-se aferir o valor médio de inteligência de uma sociedade, um país, uma cidade, um bairro, uma escola. E com os resultados obtidos delineavam-se estratégias para colmatar os pontos fracos do conhecimento humano. Isto é, lutava-se contra a burrice, com inteligência e bom senso.

Escrevi os dois primeiros parágrafos no pretérito porque, por tudo aquilo que podemos observar nas sociedades modernas, os testes devem ter sido descontinuados.

Não há outra forma de compreender como é que, de um momento para o outro, a estupidez passou a ser a doutrina dominante. Tanto que, hoje, o bom senso morreu e a voz dos inteligentes é censurada para não ofender a sensibilidade dermatológica dos estúpidos.

Diário do absurdo e aleatório 171 - Emanuel Lomelino

Ler, por si só, já é um vício. Mas a coisa ganha contornos de dependência quando, por exemplo, nos embrenhamos na leitura sobre metafísica.

Para compreendermos esta “filosofia primeira” começamos por ler Aristóteles. Absorvemos conceitos, definições e logo queremos mais. Então passamos para Kant e a coisa adensa-se de tal forma que não temos outro remédio que não passe por lermos Heidegger e Leibniz.

Quando nos apercebemos da tremenda ressaca mental em que nos enfiámos, já não conseguimos passar sem aprofundar o conhecimento e passamos a ler, também, os críticos da metafísica, como Comte e Nietzsche, e os que, não sendo críticos desta ciência filosófica, foram severos opositores da sua vertente racionalista, como Schopenhauer.

O pior é quando começamos a ler referências a outros filósofos, cujas obras são mais difíceis de encontrar, e damos por nós a vasculhar as prateleiras das livrarias na ilusão de encontrar alguma dessas relíquias. Quando isso acontece é sinal que entrámos na fase mais complicada da adição literária: a obsessão.

Diário do absurdo e aleatório 170 - Emanuel Lomelino

Volta e meia desincorporo-me e, afastando-me um pouco, fico a olhar-me na tentativa de perceber o que continua a mover-me.

Faço isto porque, há muito, deixei de encontrar respostas no meu interior, agora vazio e abandonado de estímulos.

Longe vão os tempos de grandes reflexões, maiores projectos, gigantescas demandas. Todo eu era um contentor de ambições, ideais e proactividade.

Hoje, pairando sobre mim, deixei de identificar aquele olhar decidido e resoluto – quase intrépido – que me fazia encarar todos os desafios da vida com a cabeça bem erguida, numa postura natural de confiança absoluta.

Os valores continuam presentes, as certezas permanecem seguras, as intenções estão imutáveis, as convicções bem enraizadas, contudo, o vigor vem-se esfumando, a energia esgota-se a cada expiração, a vontade esbate-se a cada passo, a importância das coisas tem diminuído a olhos vistos.

Vejo-me à distância e só reconheço a voragem de querer saber mais, de pensar com mais critério e melhorar valências. Mas já não vislumbro a sede de partilhar nem a urgência de me explicar – nem mesmo a mim próprio.

Diário do absurdo e aleatório 169 - Emanuel Lomelino

 

Apesar de já ter idade para ser considerado “velho do Restelo”, não tenho, por vocação, o hábito de fazer apologias do passado para contrapor ao presente. As coisas são como são, o mundo evolui e só temos de nos adaptar, o melhor que conseguirmos.

No entanto, por vezes, dou por mim a pensar na diferença que existe entre a vida quotidiana e o meu tempo de adolescente. Ainda não fui capaz de encontrar uma resposta definitiva que explique a razão de, hoje, com todos os avanços tecnológicos e a informação disponível num piscar de olhos, estarmos sempre sem tempo, enquanto, lá atrás, tínhamos uma vida agitada e ainda sobrava tempo.

Dizem-me que hoje tudo depende e acontece no expoente máximo da celeridade e isso é o motivo principal para o tempo ser gerido de forma diferente. Não sei como contestar esta visão porque, bem vistas as coisas, é possível nomear inúmeras situações que atestam essa realidade.

Antigamente remendavam-se as peças de roupa rombas. Fazia-se mais um furo no cinto. Compravam-se botões para substituir os que se perdiam. As calças velhas viravam calções. As toalhas e lençóis eram transformados em panos de limpeza.  Punha-se um calço na perna bamba da mesa. Hoje deita-se tudo fora e compra-se novo porque é mais fácil e rápido.

E esta nova forma de agir abrange também as interacções humanas. Ninguém tem tempo para encontrar soluções e resolver os problemas do dia-a-dia. Simplesmente vira-se a página porque tudo ficou sujeito a prazo de validade e nada, nem ninguém, consegue escapar à condição de descartável.

Diário do absurdo e aleatório 168 - Emanuel Lomelino

Há dias, como hoje, em que os dedos não se cansam de transpor, para as páginas digitais, a efervescência incontrolável desta minha mente hiperativa (tivesse eu nascido em tempos mais recentes e estaria agora encharcado de Ritalina).

A verdade é que este transtorno que me domina é um ingrediente essencial nos desafios que me proponho e, sem os quais, teria muito mais dificuldade em aceitar viver num tempo (este) que não deveria ser o meu.

Mas é aqui e agora que existo – consciente do meu desenquadramento temporal – e, por isso, permito-me à extravagância de coexistir em dois tempos, sem benefício de um em detrimento de outro.

Neste plano de existência, deambulo entre a esquizofrenia pontual e o paradoxismo permanente, com a maior das naturalidades e sem complexos doentios ou desviantes porque me compreendo, aceito e cumpro.

E assim será até ao fim.

Diário do absurdo e aleatório 167 - Emanuel Lomelino

No conforto almofadado da minha trincheira de estudo e criação, deixo-me bombardear pelas ogivas de palavras dos pensadores de outrora.

Agasalho-me nas frases mais eloquentes e solto a esquizofrenia que me assiste, em diálogos mudos com todos eles – um por vez – até que a comichão me nasça nos dedos para que a coce numa folha de papel ou no ecrã do computador, como quem expõe um trauma de guerra.

Na maioria das vezes tudo ganha forma através de um conceito elaborado ou de uma ideia esparsa, mas com a força vulcânica de uma conversa interessante. Contudo, em alguns momentos, basta uma simples palavra para que surja um texto, sem outro propósito além da utilização dessa mesma palavra.

Depois entra em acção este meu lado de cientista experimentalista – a esquizofrenia sempre presente – para explorar diferentes abordagens e observar a aplicabilidade do termo em contextos distintos, nos quais, por norma, não caberia. Como neste texto que, sendo apenas um dos muitos exercícios de escrita que me proponho, é uma cócega nascida de uma conversa com Freud sobre os traumas que as trincheiras deixaram em muitos dos que por lá passaram.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 166 - Emanuel Lomelino

A força irreverente, do passado longínquo que quase se apagou da memória, foi gasta em ímpetos esperançosos que se revelaram infrutíferos, tamanha foi a resistência das mentes obtusas alimentadas de falsas crenças.

As tentativas de manter vivos alguns conceitos-base para alargar horizontes e elevar o nível criativo, caíram em saco tão roto que nem mil costureiras, e seus pontos-cruz, conseguiriam remendá-lo.

O desgaste foi apocalíptico a ponto de já não restar o mínimo de vontade em recordar, de viva-voz e com toda a paciência necessária, os ensinamentos que, sendo conhecimento geral, deixaram de ter importância junto daqueles – muitos – que apregoam sabedoria e erudição, mas não sabem, sequer, explicar o que escrevem.

A literatura entrou num vácuo conceptual, por imposição colectiva de uma corja que se apresenta como sendo o expoente máximo de intelectualidade e conseguiu, nos últimos quinze/vinte anos, insuflar o vazio de ideias nos cérebros preguiçosos dos aspirantes a prémios, comendas e certificados.

A idade esvaziou-me o ímpeto necessário para continuar a lutar contra os falsos cânones da modernidade. O desgaste faz-se sentir nas pregas da voz e o vigor da garganta esgotou-se.

Contudo, a razão não me permite desistir. Chegou a hora de diminuir os esforços, proteger as cordas vocais e enveredar por outras vias que não me suguem mais sangue e suor. Porque as palavras não precisam ser gritadas para se fazerem ouvir.

Diário do absurdo e aleatório 165 - Emanuel Lomelino

O universo literário sempre me fascinou, ao ponto de levar-me a querer obter o máximo de conhecimento possível.

Sabendo, de antemão, que dificilmente teria acesso a tudo aquilo que vale a pena ler, fui construindo a minha biblioteca de acordo com as possibilidades, tentando abastecê-la com a maior diversidade de géneros e conteúdos.

Com este propósito, para além de muitos clássicos da literatura, de diferentes épocas, origens e correntes literárias, também procurei adquirir ensaios relevantes, de pensadores portugueses.

O problema que tenho enfrentado, nos últimos tempos, é a escassez, cada vez mais evidente, de pensadores lusos contemporâneos.

Depois de Agostinho da Silva e Eduardo Lourenço, parece que se abriu um fosso na intelectualidade porque já quase ninguém quer dissertar sobre o pensamento português.

Tendo refletido no assunto, e conhecendo os diferentes ambientes literários nacionais, cheguei à conclusão que este vazio deve-se, em grande medida, ao facto de estarmos a viver num tempo em que a maioria das criações literárias carece de consciência autoral e, por essa razão, não resultar de um pensamento crítico e coerente, mas sim de imediatismo sensaborão sem qualquer dose de filosofia associada.

Até pode ser que me engane, mas não creio que nos tempos mais próximos possamos assistir ao aparecimento de algum nome importante nesta área, tal a preguiça de pensamento que grassa nas letras lusitanas.

Diário do absurdo e aleatório 164 - Emanuel Lomelino

Esta coisa de ser metido comigo mesmo, não dar bola a qualquer um e preferir o sossego da minha individualidade em detrimento da interacção sem motivo, tem o seu lado bom, mas também pode provocar lutas internas difíceis de administrar. Principalmente quando sinto a necessidade de demonstrar empatia ou solidariedade com alguém, em momentos complicados.

Esta minha forma de estar no mundo, talvez demasiado autocentrada, é vista por muitos como um afastamento deliberado tendo por base o completo desinteresse nos outros. Embora essa leitura seja errada, compreendo que pensem assim porque, a bem da verdade, raramente demonstrei o contrário e nunca combati essa percepção.

O problema é que depois, quando fico a saber que alguém, que respeito, admiro ou estimo, está a atravessar um momento complicado, quero dar o meu ombro, mas a falta de interacção anterior inibe-me. Fico na dúvida entre agir ou ficar quieto. Fico sem saber se as minhas palavras vão ser entendidas na verdadeira dimensão do meu cuidado ou como intromissão indevida e despropositada.

Então, na incerteza, fico no meu canto a torcer à distância, para que as coisas melhorem e a recriminar-me por continuar a passar uma imagem que não reflete, nem pouco, mais ou menos, a minha humanidade.

Diário do absurdo e aleatório 163 - Emanuel Lomelino

Na íngreme e inclemente escalada da vida, sempre repleta de obstáculos expectantes e retardadores, não existem degraus baixos nem patamares lisos onde seja permitido cauterizar as mazelas e recuperar o fôlego, sem que a urgência do tempo não se faça sentir. Todas as decisões estão prenhes de imediatismo e há pouco espaço para hesitar. E tudo pesa mais a cada grão que se move na ampulheta.

Neste esforço continuado, sem pausas nem sossego, pode-se ganhar resiliência e robustez, mas perde-se vigor e agilidade.

Sendo certo que o mais importante é a satisfação do caminho feito, também não deixa de ser verdadeiro que as únicas medalhas conquistadas são adquiridas na dor, no sangramento, nas lágrimas, nas contrariedades, e isso é tudo menos justo ou animador porque as memórias de uma caminhada não deveriam ser apenas de sofrimento, mercurocromo e pensos-rápidos.

Diário do absurdo e aleatório 162 - Emanuel Lomelino

Percebo as preocupações gerais associadas à inteligência artificial, mas não entro na histeria colectiva dos argumentos baseados no prejuízo pessoal. Discutir os prós e contras numa visão intimista é reduzir a análise ao egoísmo.

Parto do princípio que a IA é apenas consequência lógica do progresso humano, (tal como a revolução industrial) com todas as qualidades e defeitos adjacentes.

Por ser uma questão da humanidade, este tema nunca obterá consenso porque, como prova a história, o progresso colectivo sempre aconteceu com o sacrifício de alguém. Uns beneficiam, outros são marginalizados.

Para não estender muito esta dissertação, e cingindo-a apenas a um aspecto do mundo da escrita (o meu mundo) entendo esta “ferramenta” como um divisor de águas dual. Por um lado, aumentará o número de autores que não são responsáveis pelas criações que assinam (esses existem desde sempre), por outro lado, acentuar-se-á o maior flagelo da humanidade – a preguiça.

Quanto ao benefício… deixarão de existir erros ortográficos… e sacrificam-se os revisores de texto.

Diário do absurdo e aleatório 161 - Emanuel Lomelino

Ah, meus pobres olhos! Na ânsia de tatuar o meu nome nas pautas do mundo, deixei de vos alimentar com os melhores néctares literários e agora, que a cinza toma conta das vossas íris, temo não ser capaz de vos devolver o brilho.

Ah, meus infelizes neurónios! Na intenção de gravar em mim o máximo de saber, semeei demasiadas sementes estéreis e agora, que o tempo é a preciosidade mais rara, receio não ter habilidade para vos restituir a clarividência.

Ah, meus miseráveis ombros! Na ambição de prolongar ao máximo a minha irreverência juvenil, suportei o peso de múltiplas existências, tal qual Atlas, e agora, que os músculos atrofiam e as forças se esvaem, suspeito que a energia que me sobra é insuficiente para vos revigorar.

Ah, malditos genes que possuo! A sequência dos vossos comandos biológicos guiou-me nos trilhos de uma esperança vã e o tempo, que me pertencia, foi desbaratado na ignorância do seu valor. Agora, no ocaso dos dias, a sapiência dos ventos e das marés não serve para nada - é somente cultura geral.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 160 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

O próximo objectivo literário passa por encontrar obras de Séneca e descobrir se ele realmente dividiu os homens em duas categorias: os que caminham em frente enquanto fazem alguma coisa e os que vão atrás só a criticar.

Caso a atribuição se confirme, terei de discordar, em parte, e dizer-lhe que se esqueceu daqueles que, deambulam entre as duas facções.

Sim, existem os proactivos. Os que traçam os seus próprios caminhos e vão construindo, pedra por pedra, o destino que melhor lhes convém. Seguem as suas convicções e assumem os riscos do erro.

Atrás vêm sempre os visionários de obra feita, com as línguas afiadas e prontos a apontar, efusivamente e de dedo em riste, todos os percalços, todos os equívocos, enfim, tudo e mais alguma coisa, sem sequer saberem do que estão a falar.

Entre uns e outros estão aqueles que, sabendo identificar possíveis vantagens ou inconvenientes, ora fazem caminhos paralelos aos primeiros, ora juntam as suas vozes sussurradas aos segundos.

Esses, chamemos-lhes dissimulados, camuflam as suas acções em trajectos marginais para fugirem aos olhos dos censores e murmuram opiniões para não serem escutados pelos empreendedores.

Se Séneca dividiu os homens em duas categorias, fica aqui o reparo ao seu pensamento. Caso não tenha sido ele, fico já com a dissertação feita e só tenho de alterar o destinatário.

Diário do absurdo e aleatório 159 - Emanuel Lomelino

A loucura das horas furtivas – aquelas que envelhecem corpo e espírito – tem o condão de entorpecer as ideias impedindo a clarividência.

Quando não é combatida atempadamente, transforma-se numa vertiginosa sequência de delírios que tomam de assalto, de unhas e dentes, as vontades básicas, substituindo-as pelas mais insanas, como quem se omite das responsabilidades e transfere o poder de decisão ao subconsciente doentio.

Por isso, sempre que se encerra mais um dia, para não me deixar aprisionar nas teias desconfortáveis do aparvalhamento e aliviar a mente das toneladas de entulho acumulado, entro de cabeça num processo de elasticidade cerebral procurando, assim, reencontrar uma réstia de sanidade. Como? Entregando-me doidamente à leitura de uma obra clássica da literatura universal.

Abençoado terapeuta Celan!

Diário do absurdo e aleatório 158 - Emanuel Lomelino

Não foi um plano delineado de forma proposital, no entanto, o mundo que construi em meu redor, e que me serve quase na perfeição, faz de mim um eremita urbano.

Nunca desgostei das pessoas, bem pelo contrário, contudo, pouco a pouco, com o avançar da idade e o desaparecimento de alguns seres especiais, acentuou-se no meu âmago a vontade de usufruir deste isolamento egoísta e limitar a minha presença ao inevitável.

Substitui conversas com gente interessante por diálogos mentais com outros deslocados temporais, nos quais me revejo, mesmo não subscrevendo todos os pensamentos, conceitos e ideias que defenderam, pelo simples facto de ser apologista das discussões saudáveis com pessoas capazes de argumentar civilizadamente.

Esta esquizofrenia lomeliniana apraz-me e, enquanto tiver laivos de razoabilidade, não deixarei de a alimentar porque também me cumpro no silêncio conturbado dos meus pensamentos.

Diário do absurdo e aleatório 157 - Emanuel Lomelino

Há quem se queixe de, por mais que recomecem algo, o desfecho ser sempre igual.

Mas a questão é simples e sempre a mesma: presumir que os sinónimos representam, fielmente, a mesmíssima coisa, quando não é assim.

Mesmo parecendo terem significação igual, existe uma enorme diferença entre reiniciar e repetir.

Reiniciar é voltar ao início, mas isso não obriga, em momento algum, fazer-se tudo exactamente da mesma forma: isso, sim, seria repetir.

Ora, tendo presente essa pequena, mas essencial, nuance, não é difícil entender que cada regresso ao ponto de partida é uma possibilidade de mudança. Isso implica voltar à estaca zero, mas enveredar por outro caminho, outra via.

Só colocando em prática essa consciência é que o desfecho final poderá ter hipóteses de ser diferente.

Se reiniciar e repetir fossem exactamente o mesmo era impossível evoluir.

Diário do absurdo e aleatório 156 - Emanuel Lomelino

Como tantas outras vezes, iniciei a jornada sem destino premeditado – de peito aberto, ao sabor da despreocupação e empurrado pela brisa de cada dia.

Mas, ao contrário de outras caminhadas, decidi arregaçar as mangas, debastar os matagais mais densos, retirar, à força de músculos, os basálticos obstáculos, sem recuar nos inúmeros momentos em que alguns estilhaços, mais afiados do que cutelo de talhante, rasgavam a pele.

Hoje, avaliando as viagens, vejo que todas elas, independentemente do meu grau de resiliência e sacrifício, apenas me fizeram gastar as solas e voltar à estaca zero. Desta vez sem possibilidade de recauchutar os sapatos.

Diário do absurdo e aleatório 155 - Emanuel Lomelino

Interessante como nos tempos modernos ainda existe quem pense que fazer um livro é colocar uma capa em redor de um monte de textos dactilografados.

Impressionante como nos nossos dias ainda existe quem pense que espartilhar textos em versos, alguns de forma disforme, pode ser considerado poesia.

Invariavelmente, neste universo de consumismo, ainda existe quem acredite que escrever, tal qual se fala e vive, e sem pensamento crítico, é um contributo para o desenvolvimento cultural de um povo e sua língua.

Infelizmente, nesta era de avanços tecnológicos, ainda existe quem negue a pureza e a perfeição da escrita dos tempos analógicos, como se o acto de escrever tivesse nascido milénios depois da própria escrita.

Intrigante como neste nosso tempo, de suposta escassa literacia, ainda existe quem assuma que ler contamina a sua escrita e restringe a capacidade criativa.

Inquietante, como numa época de pluralidade, ainda existe quem queira que as palavras, tanto escritas como lidas, sejam privilégio de alguns e não direito de todos.

Incoerente como ainda existem iluminados que, não se sabendo quem lhes outorgou a tarefa, querem ditar novas regras para a escrita porque são contra todas as regras.

Imbecilmente, neste tempo de muitas liberdades adquiridas, ainda há quem sinta as suas mais legitimas que as dos outros.

Ironicamente, neste tempo que é nosso, ainda há quem não saiba interpretar cada inflexão deste texto deduzindo ainda menos do que, reduzidamente, aborda.

Inspiram-se sem pensar e depois chamam-se escritores.

terça-feira, 26 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 154 - Emanuel Lomelino

Ao longo da história da literatura foram escritas muitas fábulas em que os animais ganhavam características humanas, como a fala. Mas não é sobre isso que vou dissertar. No decorrer do mesmo espaço temporal, foram muitos os escritos sobre bestas mitológicas, mas também não me debruçarei sobre isso. Tampouco escreverei sobre a etimologia de “Zoológica”, pelo menos na verdadeira assunção da ciência que estuda a origem da palavra.

Vou ser mais terra-a-terra e entender “Zoológica” como a lógica do zoo, ou a lógica dos animais. E porque me predisponho fazê-lo? Pelo simples facto de continuar a ver antas confundir “à” com “há”; burros que insistem em escrever “saiem” como se a palavra derivasse do substantivo “saia” e não do verbo “sair”; asnos que não sabem a diferença entre os verbos “caiar” e “cair” e usam “caiem” em vez de “caem”; porcos que chafurdam a escrita com excesso de pontuação; preguiças que não usam pontuação alguma; abutres que preferem usar escritos alheios no lugar de criarem; pavões que exultam os seus escritos banais e parcos de criatividade, só porque tiveram duzentos “gosto” e sessenta comentários numa postagem; papagaios que falam de escrita sem saber a diferença entre redondilha menor e maior; enfim, poderia continuar a desfilar muitos outros animais que identificaria ursos, leões, elefantes, focas, camelos, etc, para compor este zoo.

Mas a culpa destas bestas existirem também é minha porque transformo-me num David Attenborough ou num Jacques-Yves Cousteau e escrevo sobre a existência destes animais.

Diário do absurdo e aleatório 153 - Emanuel Lomelino

Na democracia de um mundo perfeito todos têm direitos e deveres, em igual medida.

Na democracia de um mundo perfeito todos têm direito a expressar as suas opiniões, independentemente das razões que os assistem, e todos têm o dever de respeitar todas as opiniões alheias, principalmente as que divergem das suas.

Na democracia de um mundo perfeito a lei permite a manifestação pública de todas as opiniões, desde que feitas ordeiramente, e impede as reacções contrárias ao direito de opinar e manifestar.

Mas o mundo perfeito só existiria se a humanidade também o fosse, e como a democracia é usufruída por humanos, para muitos ela é o seu direito de manifestar opiniões e tudo o resto é antidemocrático, inclusive as opiniões dos outros e as leis que impedem alguém de impor a sua opinião sobre as demais. A democracia perfeita é uma utopia porque será sempre aquilo que cada um entender, até que os outros se calem e submetam.

Resumindo: muitos aproveitam o espírito da democracia para dizerem e fazerem o que lhes aprouver sem darem conta de estarem a agir como verdadeiros ditadores.

E tudo isto faz-me acreditar, cada vez mais, que apenas as artes são verdadeiramente democráticas e são o único elo da humanidade com a perfeição.