segunda-feira, 25 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 148 - Emanuel Lomelino

Desde muito novo, e apesar de ser visto como o ser humano mais tímido do mundo, Martin granjeou, junto dos habitantes da sua aldeia, a fama de ser perfeccionista em tudo aquilo que fazia. Todos o admiravam e ninguém poupava palavras na hora de elogiar os seus trabalhos.

Na escola, as suas redações eram as que mais fascinavam os colegas e professores, que faziam questão de as lerem em voz alta, algo que ele nunca fazia.

No campo, quando ajudava na sementeira, ou na colheita, e apesar de nunca ter cantado as modinhas com os restantes, a sua dedicação era louvada por todos.

Na oficina de carpintaria, onde iniciou a sua carreira de marceneiro, todas as peças de mobiliário que produzia, mas sem revelar como haviam sido feitas, causavam espanto geral.

Nas festas da aldeia, ninguém dispensava comer as rabanadas confecionadas por ele, cujas receitas nunca revelou.

Foi assim na sua infância, na adolescência, nos primeiros anos da sua vida adulta. Elogios atrás de elogios.

Mas os anos passaram e os seus conterrâneos começaram a ficar aborrecidos com Martin, pela simples razão de nunca terem ouvido, da sua boca, a mais singela retribuição por todo o enaltecimento, aplausos e honrarias que lhe prestavam. Nem um assentimento de cabeça, ou um sorriso agradecido. Todos consideravam essa atitude como sobranceria e falta de humildade. Por isso, um dia, todos deixaram de elogiar Martin.

Esta história podia terminar aqui, mas a verdade é que, no dia da sua morte, toda a aldeia formou uma fila na porta da igreja, para pedir penitência ao padre, depois de ser revelado o segredo mais bem guardado de Martim: ele era surdo-mudo.

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