segunda-feira, 18 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 101 - Emanuel Lomelino

Há quem acredite no altruísmo das palavras, mas só um incauto pode perspectivar bondade numa conjugação verbal que impõe em vez de sugerir ou, quanto muito, ordena no lugar de colocar à consideração.

Até as pedras, sejam de calcário ou basalto, conseguem transmitir mais leveza do que os discursos militarizados, mesmo ao som de polcas e corridinhos, feitos à medida dos substitutos dos tubos catódicos.

Deixou de existir temperança e vergonha nas faces artificialmente bronzeadas porque o Zé do Manguito continua a preferir sopas e descanso em vez que tirar os suspensórios e mostrar o Judas arranhado.

Havendo música, couratos assados e uma reles esferográfica timbrada, aparecem logo magotes de desocupados intelectuais predispostos a agitarem bandeiras e bandeirolas ao vento carvoeiro, enquanto os copos não secam a cevada quente.

O despertar vem depois, quando os mesmos fidalgos movidos a rancho folclórico, descobrem que, afinal, a caridade é um caça-níqueis faminto e sem escrúpulos, e resolvem lançar outras bandeiras ao vento, soltar verbos pedintes e arrastar as carcaças pálidas no meio da urbe de cintos apertados, como fossem todos sócios-fundadores da liga dos revoltados surpreendidos, mas sem cotas pagas e com o tempo caducado.

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