sábado, 28 de novembro de 2009

Estações da vida

O solstício da minha vida
passou por mim
como uma sombra fugidia.
Ocultou-se anónimo
nos becos e vielas mais escuros
longe do meu olhar
faminto de luminosidade.
O meu Verão
teve temperaturas amenas
e brisas frescas
tornando insignificantes
todos os meus mergulhos
no Oceano dos sentimentos.
Agora vivo no equinócio
embrulhado numa coberta de solidão
que não afasta o frio.
Neste meu Outono precoce
vejo impotente
a queda das folhas caducas do amor
e vivo na saudade
de um tempo que não vivi.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Contra imposições

Fui pintado
com cores que não são minhas
o meu brilho foi adulterado.
Fosse eu outro
e ter-me-ia ofuscado
na minha própria luz.
Coloriram-me cintilante
numa luminosidade atroz
que não me convém.
Os tons de que me visto
são do meu catálogo particular.
Tintas fabricadas por mim
que só em mim caem bem.
Acalentaram em mim
um incêndio que desconheço
com lenha bravia
ceifada de bosques inóspitos.
O lume que de mim irradia
tem calor próprio
é puro e natural.
A chama soprada do meu interior
provém da fogueira que ateei
e o fogo que sai de mim
só eu o posso alimentar
ou extinguir.
Cristalizaram a fonte
de onde jorra a minha seiva
e deram-lhe a pureza que não tem.
Incentivaram novas correntes e marés
ao sabor de tempestades que não são minhas.
O sangue que me corre nas veias
flui ao ritmo da minha vida
na cadência que melhor me serve
em harmonia com o meu sentir.
Por mais ondas de cores quentes
que queiram impor no meu oceano
só eu tenho acesso à torneira
que rega o meu Ser.
Por mais vagas de claridade
que queiram impingir no meu mundo
só eu consigo ligar
o interruptor que me dá luz.
Por mais labaredas vivas
que me tentem acender
só eu posso inflamar
a salamandra que me aquece.

domingo, 22 de novembro de 2009

Ad eternum

Para mim é bem claro
tão nítido como água cristalina
que o momento mais feliz da minha vida
foi também o mais triste e desolador.
Ambiguidade com alguma coerência
esta que se afigura inexplicável
mas tão real como o sofrimento.
Na felicidade de uma certeza
a rigidez da inevitabilidade
de uma dolorosa separação.
Na convicção de um amor
a desilusão de um mutismo.
Na crença de um sentimento
uma aceitação silenciosa
anulada pela caducidade temporal.
Mea culpa ad eternum.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Nesse dia

Num dia como tantos outros
de céu limpo e Sol brilhante
acampei o meu corpo
junto às margens do lago.
Nesse dia igual a tantos
acostado a uma rocha
embrenhei-me na leitura
de um livro esquecido.
Folheei cada página
com entusiasmo de criança
numa entrega incondicional.
Apenas me servi da visão
desliguei os demais sentidos.
Sem som que me distraísse
ou cheiro que me cativasse
sem sensibilidade no toque
e entregue ao mutismo
vi as maravilhas da palavra
com estes olhos predadores.
Nesse dia sem paralelo
alheado do mundo
repeli os sentimentos
afastei de mim o Ser pensante.
Nesse dia fui feliz.

domingo, 15 de novembro de 2009

Tábua de salvação

Na poesia procuro o consolo
que o destino me nega
por obstinação.
Na poesia tento encontrar
a paz de espírito
que de outra forma
seria difícil de achar.
Nos poemas que leio
sinto o amor que me fugiu
experimento as sensações
que me ocultaram.
Nos poemas que leio
avalio os meus prantos
equaciono as saídas possíveis
desejo fantasia.
Nos poemas que faço
exponho a minha angústia
a minha frustração
o meu desencanto
por ter conhecido o amor
de um só sentido.
Nos poemas que faço
choro as minhas mágoas
gemo o desconforto
lamurio a solidão
carpo esta tristeza
por ter amado
sem ser correspondido.
A poesia foi
é
e será sempre
a minha tábua de salvação.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Ver e querer

Sentado num banco de jardim
contemplo o mundo em redor.
Observo os pássaros no céu
e invejo-lhes as asas.
Ausculto o piar da coruja
e namoro-lhe o timbre.
Vejo os peixes no lago
e cobiço-lhes a independência.
Escuto o coaxar das rãs
e anseio-lhes a liberdade.
Fito as árvores outonais
e ambiciono-lhes o desembaraço.
Espreito as flores matizadas
e almejo-lhes as cores e os cheiros.
Perscruto o som da brisa
e desejo a sua frescura.
Sinto na pele o calor do Sol
e quero a sua grandeza.
Oiço o regato borbulhante
e peço-lhe a pureza.
Diviso um casal de namorados
e suspiro-lhes o amor.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Ainda um dia

Abro um livro de poesia
leio estrofes atrás de estrofes
decifro as mensagens dos poetas
descubro as suas verdades
faço as minhas interpretações.
Fecho um livro de poesia
mais rico do que era
mais nutrido de sabedoria
e com espírito renovado.
Abro o meu caderno de poemas
pego na minha caneta de tinta azul
e começo a juntar palavras.
Tentando alinhar ideias
escrevo os meus versos
as minhas estrofes
pondo no papel as minhas verdades.
Ainda um dia, no futuro
alguém há-de abrir um livro de poesia
ler estrofes atrás de estrofes
decifrar as mensagens do poeta
descobrir as suas verdades
e interpretar os meus poemas.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cores da vida

Olho em meu redor
e vejo o mundo em ebulição
sem eira nem beira
nem ponta por onde se pegue.
Só vejo tons cinzentos
breu e escuridão
os brilhos são ténues e opacos.
Olho à minha volta
em plena luz do dia
mas o Sol não cintila
negros são os nossos dias.
Rostos fechados
carrancudos
tristeza estampada
nas faces do mundo.
Vejo tudo isto
e questiono-me:
Onde estão
as cores reluzentes?
Onde se escondem
os verdes esperança
os vermelhos paixão
os azuis crença?
Por onde anda o amarelo alegria?
Que é feito dos tons turquesa
esmeralda
safira?
Onde pairam os tons diamante?
Quem matou as cores da vida?

sábado, 7 de novembro de 2009

Pássaro livre

Sou uno e indivisível
a mim mesmo pertenço
no bem e no mal.
Não ser de ninguém é uma bênção
e deste estatuto não abdico.
Gosto de ser pássaro livre
apesar dos momentos solitários
e dos voos sem sentido.
Recuso enjaular-me
em gaiolas alheias
e perder o meu céu
o meu destino.
Não prescindo da liberdade
de ter asas e voar
escolher a minha rota
e os meus portos de abrigo.
Recuso ser ave aprisionada
pelos caprichos
e vontades de outros.
Posso não ser canora
mas sou ave do meu jeito
assim me fiz
assim me mantenho
assim soltarei o meu último suspiro.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Lá fora a chuva cai

Lá fora a chuva cai.
Neste meu beco de ideias
tento alinhavar conceitos
em esboços de poesia
que me fogem ao sentido.
Lá fora a chuva cai
em bátegas inclementes
que, ruidosas,
desconcentram-me
impedindo-me de ser criador.
Lá fora a chuva cai
e talvez a água vertida
não queira ser poema
e ao diluir-se
lave o saber que me falta.
Lá fora a chuva cai
senhora de si
alheia ao mundo
alienada de mim
e do poema
que tento escrever.
Lá fora a chuva cai
com suas gotas de água
grossas
insensíveis
absortas
que ignoram a poesia
sendo elas próprias
poemas líquidos.
Lá fora chove poesia.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Poeta inconveniente

O poeta pode ser inconveniente
dizendo o que ninguém quer ouvir.
Palavras sopradas em surdina
que ferem ouvidos culpados
são perseguidas vorazmente.
O poeta pode e sabe ser inconveniente.
Gritando ao mundo as vilezas
põe a sua cabeça no cepo
sem temer esse acto guilhotinado.
O poeta é inconveniente
e sabendo que o é
mais inconveniente se torna
mais contestado é
menos procurado fica.
O poeta é inconveniente
e por isso solitário.

domingo, 1 de novembro de 2009

Ligação luso-tupiniquim

Unidos pela palavra
caminhamos num só sentido
o do enriquecimento cultural.
Juntos, lado a lado
no momento, dois povos
duas culturas
estilos vários
uma só língua e identidade.
Amparados pela escrita
cruzamos os mundos criativos
marcamos uma nova era
cunhamos tesouros
firmamos novas vontades
inscrevemos novos capítulos na história
fazemos a diferença.
Ligação luso-tupiniquim
(adoro a expressão)
expressão feliz.
Brasileiros e portugueses
duas bandeiras
uma só nação atlântica.
O que a palavra une
é mais forte
que o oceano que nos separa
A todos os amigos e amigas que por aqui passam sugiro que visitem o novo blogue RASURAS que surgiu da vontade de algumas pessoas, de ambos os lados do Atlântico, em dar o seu contributo para o enriquecimento cultural da língua portuguesa.

Vida de Lisboa

Caminho ligeiro pelas ruas de Lisboa
cruzo-me com toda e qualquer pessoa
este que tosse, aquele ali que se assoa
gente de Alfama, Graça, Alvito, Madragoa
gente simples numa cidade que não destoa
onde o silêncio nem na noite ecoa.
Há quem ande perdido ou simplesmente à toa
ouve-se um ou outro grito que ressoa
não pode ser coisa boa
uma mãe defende o filho como uma leoa
ataca o assaltante e não lhe perdoa.
Há quem coma peixe frito com broa
para sobremesa uma suculenta meloa
como digestivo uma voz que fado entoa.
Uma pomba branca que no céu voa
no rio navega uma frágil canoa
cuidado pescador com a sua proa
não estás numa regata na lagoa
olha que esse petroleiro te abalroa.
Se afundas, que vais dizer à tua patroa?
Aquela que em tua casa é rainha sem coroa.
Aquela que a tua cevada matinal coa
desde o teu regresso de Goa.
Aquela que por ti eternamente se magoa
e no mercado, o que pescas apregoa
na sua voz de varina que tão bem soa.
Aquela a quem tu dedicaste a singela loa
e reza para que a tua vida não se escoa.
A tua morte talvez lhe doa.
Evita, portanto, que essa noticia a moa
e alguém lhe diga: - O seu marido amou-a.
O titulo original deste meu poema é "Exercicio II" e faz parte de uma trilogia de poemas que me serviu de exercicio rimático.