domingo, 31 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 184 - Emanuel Lomelino

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- Encontra alguma razão que justifique terem-lhe atribuído este galardão, só agora, numa fase tão adiantada da sua carreira?

Herculano percebeu imediatamente, pelo extenso sorriso estampado nos lábios da jornalista, as intenções da pergunta colocada. Sem pestanejar, retribuiu o sorriso e respondeu:

- Eu poderia alegar vários motivos para esta distinção. Poderia falar em recompensa justa por todo o meu percurso. Poderia dizer que haviam retificado uma longa injustiça. Poderia afirmar que este júri foi menos parcial que os anteriores. Poderia referir que não houve concorrência à altura. Poderia alardear as minhas extraordinárias capacidades criativas. Poderia referir o meu estado de graça. Poderia falar da qualidade do meu trabalho. Poderia revelar conversas de bastidores. Poderia aludir a cunhas ou a aliciamentos. Poderia contar mil e uma histórias só para deleite de todos os telespectadores. No entanto, a verdade só pode ser uma de duas coisas… - fez uma pausa dramática, sentindo que a sua retórica estava a funcionar como previa, aguçando o apetite de escândalo que o rosto da jornalista revelava. – Finalmente, após décadas, consegui escrever um livro realmente bom ou, em contrapartida, e repetindo as suas palavras, quando anunciaram o meu nome, houve um engano. – não conseguiu evitar uma gargalhada perante o ar ofendido da jornalista, ao perceber que tinha caído no engodo. – Sinceramente, estou mais inclinado para aceitar a segunda hipótese. – concluiu triunfante, olhando directamente para a câmara.

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