sábado, 23 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 135 - Emanuel Lomelino


A necessidade de trabalhar nas palavras é, mais que um dever imperativo, a solução para desanuviar a mente depois das escoriações provocadas pela dureza de um dia interminável.

Há uma urgência de reflexão que lateja no âmago até roçar o desespero e o corpo exige uma pausa restauradora, só atingida num estágio de solidão física e na ausência de lucidez da dor.

Respiro fundo. Fecho os olhos. Abstraio os sentidos. Sacudo os incómodos. Abraço o silêncio. Entro no universo do vazio. Nada.

Inspiro lentamente, como quem absorve o tempo a conta gotas. Olho a folha branca que espera, pacientemente, o primeiro beijo de tinta. Expiro como quem dá o tiro de partida, deixo que as palavras fluam a seu bel-prazer e abracem, com serenidade, a paz instalada.

Com elas surge a libertação suprema. Através delas instala-se uma harmoniosa conciliação com o mundo; com a vida; comigo.

Escopros, ponteiros, macetas, hematomas, esfoladelas, sangue, suor, cansaço (não necessariamente por esta ordem) deixam de significar penosa realidade e, aqui, regressam à sua condição de meros vocábulos.

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