sábado, 23 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 132 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Alcides era um amante das palavras quando, por uma das muitas casualidades da vida, assistiu a uma palestra realizada na sua livraria preferida.

No início, vendo toda a pompa e festança, sentiu-se um peixe fora de água, mas tentou disfarçar esse desconforto e obrigou-se a assistir à totalidade do evento.

O moderador deu as boas-vindas, apresentou os palestrantes e disse que cada um deles era um poço de conhecimento do universo da escrita e, no final, todos os presentes sairiam da livraria mais ricos de sabedoria.

Alcides escutou todos os discursos, em silêncio, como quem assiste a um sermão na missa de domingo, mas o seu âmago estava a ser esmagado pelas palavras que ouvia. A fanfarronice era proporcional à incoerência; o pedantismo vinha abraçado a exageradas doses de bazófia; e o ar estava impregnado de uma altivez elitista que feria todos os sentidos.

Com muito esforço, Alcides conseguiu resistir até ao final do evento. Angustiado, fez uma rápida reflexão sobre tudo o que acabara de ouvir e descobriu que o moderador só tinha dito uma verdade: realmente ele ia sair da livraria mais sábio. Agora compreendia as razões que levaram Pessoa a dizer que os poetas são fingidores, e entendia, finalmente, as palavras de Celso Cordeiro: “para deixar de ser jumento, não basta a um burro saber ler”.

Sem comentários:

Enviar um comentário