segunda-feira, 22 de abril de 2024

Diário do absurdo e aleatório 286 - Emanuel Lomelino

Como não bastasse a densidade do bosque, com as suas altivas árvores de copas escuras e tão espessas que o sol não as trespassa, ainda se pôs este nevoeiro cerrado que cega o início do olhar.

Apenas ruído. Uma espécie de assombro canalha que gela pedras e raciocínio. Um tilintar indistinto, contudo macabro, fúnebre e tão encantatório como um coro de sereias à caça de náufragos.

O caminho, à margem das vespas e espinheiros, faz-se irregular, qual montanha-russa num parque de diversões devoluto.

Ouve-se o piar de uma coruja-das-torres e um indefinido restolhar, ténue e miúdo, tão rasteiro como uma subcave invisível, mas presente.

Subitamente, num passo de mágica, abre-se uma clareira tão larga quanto negra, como fosse o leito de uma gigantesca fogueira antiga, que oferece três trilhos. Um de seixos brancos e lisos de erosão, outro coberto por um tapete de folhagem calcada, o terceiro enlameado, íngreme e invadido por troncos tombados.

Os dois primeiros reentram no bosque. O último, menos convidativo, circunda a clareira e embica na direcção oposta. Por via das dúvidas, incorpora-se o espírito de Régio e segue-se adiante.

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