quarta-feira, 27 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 155 - Emanuel Lomelino

Interessante como nos tempos modernos ainda existe quem pense que fazer um livro é colocar uma capa em redor de um monte de textos dactilografados.

Impressionante como nos nossos dias ainda existe quem pense que espartilhar textos em versos, alguns de forma disforme, pode ser considerado poesia.

Invariavelmente, neste universo de consumismo, ainda existe quem acredite que escrever, tal qual se fala e vive, e sem pensamento crítico, é um contributo para o desenvolvimento cultural de um povo e sua língua.

Infelizmente, nesta era de avanços tecnológicos, ainda existe quem negue a pureza e a perfeição da escrita dos tempos analógicos, como se o acto de escrever tivesse nascido milénios depois da própria escrita.

Intrigante como neste nosso tempo, de suposta escassa literacia, ainda existe quem assuma que ler contamina a sua escrita e restringe a capacidade criativa.

Inquietante, como numa época de pluralidade, ainda existe quem queira que as palavras, tanto escritas como lidas, sejam privilégio de alguns e não direito de todos.

Incoerente como ainda existem iluminados que, não se sabendo quem lhes outorgou a tarefa, querem ditar novas regras para a escrita porque são contra todas as regras.

Imbecilmente, neste tempo de muitas liberdades adquiridas, ainda há quem sinta as suas mais legitimas que as dos outros.

Ironicamente, neste tempo que é nosso, ainda há quem não saiba interpretar cada inflexão deste texto deduzindo ainda menos do que, reduzidamente, aborda.

Inspiram-se sem pensar e depois chamam-se escritores.

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