sexta-feira, 22 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 129 - Emanuel Lomelino

Quando visto o uniforme para garimpar o que sou, olho-me ao espelho e louvo os traços que o tempo vincou no meu rosto, com a maestria que só ele possui.

Vejo minuciosamente, de lupa em riste, e não detecto ruga mal colocada, ou nascida sem razão. Todas se explicam, e aplicam, na minha essência, como um traje feito à medida, por encomenda.

Na aspereza natural da derme curtida, destacam-se algumas cicatrizes merecidas, outras tantas por negligência, mais algumas que, embora saradas, ainda tem memória dolorida.

Então, tento lembrar-me das minhas feições imberbes, como quem se entrega à tarefa de descobrir as diferenças, porque todas as fotos deixaram de estar em exposição quando foram colocadas nos álbuns do esquecimento. Nenhuma escapou à crueldade do engavetamento, não fosse alguma lembrar-se de ganhar vida e azucrinar, com feitio igual ao meu, o dia-a-dia de alguém.

E assim, quase sem traços visíveis da aparência anterior, mas honrado pelo desenho do tempo, caminho de cabeça erguida mostrando ao mundo a prata que a vida me vem outorgando.

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