sábado, 19 de outubro de 2024

Contos que nada contam 29 (O faroleiro) - Emanuel Lomelino

O faroleiro


Franclim sentiu ter encontrado a profissão ideal para as características mais óbvias do seu feitio.

Sempre gostou de ficar num canto com os seus pensamentos, longe do conflitos e arrelias permanentes de um escritório. Sempre desejou entrelaçar responsabilidades e lazer sem horas marcadas para coisa alguma. Enfim, organizar o tempo a seu bel-prazer, dividi-lo entre obrigações e o que lhe desse na gana, e envelhecer ao ritmo da vida, com paz e tranquilidade.

Aquele trabalho, de faroleiro, encaixava como uma luva nas suas pretensões.

O que Franclim não sabia, e descobriu com o tempo, é que nem os espíritos livres, por mais independentes que sejam, são compatíveis com a agressividade do sal ou a corrosão das lágrimas.

Hoje, passados trinta anos a iluminar as noites dos navegadores, Franclim não reconhece a face que o espelho reflete. A pele ressequida pela salinidade das marés tem rugas, em forma de desfiladeiros, por onde correm, amiúde, as saudades da família, que só vê uma semana em cada três meses.

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