quarta-feira, 29 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 323 - Emanuel Lomelino

Imagem freepik

O ginásio do polidesportivo estava apinhado de gente. Gerações de descendentes reunidos para celebrar o centenário Anselmo. Filhos (dois), filhas (quatro), netos (cinco), netas (seis), bisnetos (quinze) bisnetas (treze), trinetos (vinte e três), trinetas (vinte e seis), quatro tetranetos e duas tetranetas.

Foi numa cacofonia de conversas de ocasião, sobre futilidades, risos e gargalhadas estridentes, correria e choro de crianças, e olhares distraídos nos ecrãs da moda, que Anselmo apareceu sem ser notado.

Lentamente, aproximou-se da mesa onde estava um enorme bolo de aniversário, olhou em redor, contou os rostos presentes, um a um, sorriu pela ironia do número coincidir com o seu século de vida, soprou o mar de velas apagando todas as chamas bailarinas e formulou o mesmo desejo dos últimos vinte anos: queria ouvir a voz da sua sombra, a única entidade que jamais o ignorou.

Saiu tão invisível como havia entrado e só foi descoberto duas horas depois, abraçado a si mesmo e com um sorriso triste, no seu leito de morte.

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