terça-feira, 2 de abril de 2024

Diário do absurdo e aleatório 194 - Emanuel Lomelino

Quando a imprensa noticiou a morte de Rodolfo Renan, uma onda de consternação e tristeza espalhou-se por toda a comunidade. Tinha falecido o intelectual mais respeitado e todo o mundo, desde o mais novo ao mais velho, do mais pobre ao mais abastado, sentiu a perda.

Depois, quando foi divulgado que havia sido suicídio, as opiniões começaram a divergir. Uns consideravam, tal facto, como um gesto de coragem. Outros viam como covardia. Durante semanas a fio, houve acesos debates e as coisas chegaram a aquecer de tal forma que ficou impossível não estar num ou noutro lado da contenda.

Curiosamente, no meio de tanta discussão, os motivos que deram origem ao suicídio nunca foram abordados. Só aquando da publicação do testamento é que as pessoas deram conta dessa falha e ganharam consciência de que, durante anos, tinham desfrutado das palavras de Rodolfo Renan sem entenderem que a beleza delas lhes ofuscara o entendimento e não tinham sido capazes de decifrar os seus lamentos, as suas angústias, as suas tristezas, os seus temores. Só aí entenderam que não tinham percebido os gritos de socorro do intelectual.

Todos sentiram que aquela morte, mais do que ter originado a discussão num tema fracturante, teve o condão de alertar para a necessidade de ver-se além da estética, pois nunca se conhece alguém sem saber dos caminhos trilhados.

Sem comentários:

Enviar um comentário