domingo, 7 de abril de 2024

Diário do absurdo e aleatório 223 - Emanuel Lomelino

A plateia levantou-se, em uníssono, para ovacionar Severina, com a mesma intensidade emocional que a cantora emprestou à sua actuação.

Apesar de sentir no peito todo o esforço despendido durante as duas horas de espectáculo, Severina não precisou forçar um sorriso perfeito e repleto de humildade genuína, na hora de demonstrar agrado pela devoção do público.

Ela vivia para aqueles momentos de louvor. Os únicos que lhe transmitiam paz e davam motivos para não desistir. Durante o tempo que estava na sala de espectáculos, o mundo parava, a vida suspendia-se e Severina conseguia usufruir de algo que era mais do que um sonho. Era uma pausa no pesadelo diário que vivia fora dos palcos.

Entregar-se de alma e coração à sua arte, ver as lágrimas de comoção em alguns rostos e, entre gritos de reverência e admiração, escutar soluços pungentes e emocionados, por muito incoerente que pudesse soar, eram os estímulos que necessitava para esquecer momentaneamente todas as agruras que a vida lhe proporcionava diariamente, após perder a criança e descobrir que não poderia voltar a engravidar, e que o generoso público ignorava completamente.

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