sexta-feira, 12 de abril de 2024

Diário do absurdo e aleatório 251 - Emanuel Lomelino

Tu que alisaste areia na praia de São João, depois de arranjares, na Cova do Vapor, dois papos-secos, cinquenta gramas de fiambre e um queijo-fresco, para estenderes a toalha fanada na feira das Galinheiras, olhavas o Atlântico com o temor de quem nunca soube nadar e só ia à praia porque todos os amigos te acompanhavam e o único dinheiro que precisavas era para atravessar o Tejo, de cacilheiro.

Tu que vias, com tranquilidade e fascínio, as ondas que explodiam no areal e sentias as narinas invadidas pela maresia, deitavas para trás das costas a ansiedade que te envolvia durante as duas horas de viagem, por teres precisado sair de um comboio e esperar o seguinte porque aparecia o revisor e a necessidade, mesmo a lúdica, aguçava o engenho, e só os betinhos eram apanhados com as calças na mão.

Tu que avaliavas todas as cabeleiras oxigenadas não procuravas romance de Verão nem companhia fútil. Apenas quem te comprasse, no final da tarde, e depois de toda a diversão que julgavas merecer, o bilhete de retorno a Belém para, mais uma vez, e pela mesma razão, entrares de cabeça na ansiedade ao lusco-fusco – igual à matinal.

Tu que repetias estas idas e voltas, desde Camarate até São João, e retornavas, vezes sem conta, não o fazias para ficar com a derme bronzeada, mas sim porque, mesmo sem saberes, eras viciado nos picos de adrenalina que essas excursões proporcionavam.

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