sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Contos que nada contam 7 (Implosão) - Emanuel Lomelino

Implosão


América nasceu no seio de uma família abastada, cujos antepassados - várias gerações - tiveram de lutar muito para conseguir sair da pobreza extrema e criar as condições para que os descendentes, como ela, pudessem ter uma vida mais desafogada.

A história dos ancestrais foi-lhe contada, vezes sem conta, para que ela aprendesse a dar valor ao que tinha. No entanto, perante as birras de menina mimada, havia sempre um exagerado grau de tolerância ao seu comportamento nefasto e inapropriado, porque todos os progenitores fazem tudo para que os filhos tenham a vida mais facilitada. E América sabia, muito bem, como fazer para sair sempre beneficiada de qualquer situação.

Cresceu assim e, chegada à idade adulta, o método já estava tão enraizado que, mesmo que existisse a possibilidade de querer agir de outra forma, ela funcionava no automático em prol das suas pretensões e desejos que, na maior parte das vezes, eram meros caprichos.

Como é fácil de imaginar, todos aqueles que, por qualquer razão, tivessem a desfortuna de interagir com ela, achavam-na um ser desprezível e insensível, com um carácter excêntrico, mas desumano. Quase todos, porque há sempre quem se afaste deste tipo de gente, só a toleravam porque era, pornograficamente, rica e isso abria outras portas.

Tudo na vida foi-lhe oferecido em bandejas de prata e América nunca precisou trabalhar um só dia. Viveu à conta da riqueza da família e em função do humor, organizando as festas mais exuberantes que o mundo já viu, em que os convidados eram escolhidos a dedo e quem não estivesse, ou agisse, de acordo com os seus padrões era imediatamente expulso e jamais voltaria a integrar a lista de possíveis candidatos a frequentadores dos seus eventos.

Mas o mais relevante e extraordinário na história de América não foi o jeito como viveu, mas sim a forma como morreu.

Ainda hoje não existe uma explicação científica exacta, lógica e confirmada para justificar o ocorrido, porque nunca ninguém morreu como ela.

Dizem as más-línguas que o seu carácter petulante, irascível, volúvel, prepotente, execrável – entre outros adjectivos com conotações semelhantes e afastados da moralidade – criou um vazio tão grande dentro de si que o corpo não tinha outra hipótese que não fosse autodestruir-se por dentro.

América, simplesmente, implodiu.

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