segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Contos que nada contam 13 (De néscia a céptica) - Emanuel Lomelino

De néscia a céptica


Virgínia foi sempre uma mulher discreta, simples, mas dotada de uma ingenuidade infantil que a irritava profundamente. Por mais que tentasse – e tentava com todas as forças da sua vontade – era apanhada de surpresa com muitas coisas óbvias que lhe fugiam à percepção, mesmo quando era, previamente, alertada.

Essa inocência nata era a fonte maior das suas desilusões, e a cada novo desapontamento, a cada novo dissabor, ela prometia regenerar-se e voltar outra pessoa. Mas não havia volta a dar. Uma e outra vez, sorrateiramente, lá vinha mais uma decepção, e outra, e outra, e outra…

E foram tantos os desgostos que Virgínia acabou por transformar-se numa alma descrente com o mundo e amargurada consigo própria.

O pior foi descobrir que, algumas pessoas que muito prezava, tinham-se aproveitado da sua credulidade levando-a a abdicar da única pessoa que realmente lhe foi fiel, em todos os sentidos.

Virgínia não se perdoa por ter dado crédito às intrigas de bastidores e recebido como verídicas algumas suspeitas que lhe plantaram na mente.

Hoje vive reclusa nas grades do cepticismo mais impenetrável e desconfia até das intenções da própria sombra.

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