domingo, 23 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 348 - Emanuel Lomelino

Imagem pinterest

Acho graça aos amoques que determinadas personagens, com a mania das grandezas e acreditando serem detentoras das verdades absolutas, têm amiúde, por dá cá aquela palha, porque sim e porque não, como se a histeria dos seus gritos mudos e absurdos atemorizassem os demais, fazendo-os enfileirar como carneirinhos conduzidos por pastores caninos.

Dá-me graça, e vontade de rir, quando vejo essas matrafonas carnavalescas, trasvestidas de autoridade suprema, a arrotarem postas de pescada, com vozes estridentes, feito varinas a depilarem-se com lâminas rombas, como se a razão as assistisse e sem perceberem o quão ridículos são os motivos da peixeirada.

Dá-me graça, mas sinto pena, dessas vedetas mediáticas que andam sob holofotes, como quem usa chapéu-de-chuva em todas as condições climatéricas, na esperança de serem notadas para não serem esquecidas, conduzidas por egos tão inflados como provincianos barrocos.

Dá-me graça, sobretudo por saber, de cor e salteado, os reais propósitos desses falsos achaques, que nada mais são do que chamarizes para papalvos, distraídos e pombos-correio.

Dá-me graça a vulgaridade de quem se vende excepcional.

sábado, 22 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 347 - Emanuel Lomelino

Imagem escolapt

Por estes dias li um texto sobre a “teoria da regressão” (belíssima dissertação sobre a hipocrisia consciente da humanidade) e dei por mim a pensar nos passos atrás que se dão, quando o intuito seria continuar a evoluir.

O domínio do fogo foi evolução. A invenção da roda foi evolução. A sedentarização foi evolução. A escrita foi evolução. Todas as civilizações foram evolução. A revolução industrial foi evolução. A revolução tecnológica é evolução.

O problema, de todos os acontecimentos que permitiram evoluir, é o seu denominador comum – o homem. Um ser que, apesar de ser fruto de um longo processo evolutivo e ter toda a experiência outorgada pela evolução, não só da espécie, mas, sobretudo, do seu próprio mundo, consegue chegar a este momento da existência e permitir-se regredir na essência.

Uns por ganância. Outros por comodismo. Todos por já não poderem ser chamados humanos porque perderam a razão e a humanidade.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 346 - Emanuel Lomelino

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Carl Jung alertou para as características viciantes do silêncio e para as consequências que essa adição provoca naqueles que enferma. Concordo que o silêncio vicia e que há efeitos visíveis nos que usam o silêncio como uma forma de estar e entender a vida. No entanto, no desenvolvimento da ideia, tenho de manifestar opinião contrária à tese de Jung.

Para começo de conversa, a minha primeira discordância com o psiquiatra suíço está na catalogação deste estado como sendo uma doença. Talvez por não ser psiquiatra, creio ser abusivo classificar todo e qualquer comportamento, lateral aos convencionalismos, como doença. Chamem-lhe desvio, excentricidade, rebeldia, bizarria, mania, exotismo, capricho, ou qualquer outro substantivo, mas não doença.

Na explicação de Jung, os viciados em silêncio ficam tão deslumbrados com a sensação de paz que tendem a perder interesse na interação com os humanos. Neste ponto creio que a análise foi feita em contramão. Os amantes do silêncio não perdem interesse nas interações por sentirem paz, mas sim, sentem paz, quando estão em silêncio, por terem interagido em demasia. O silêncio acaba por transformar-se no único remédio eficaz para alcançar paz e reverter a toxidade das relações com os outros.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 345 - Emanuel Lomelino

Mirro-me nesta sensação de estar, invariavelmente, a ser sugado até ao tutano, por forças ocultas, que apenas sobrevivem porque lhes resisto, ao não lhes reconhecer mérito nem importância.

É como se o peito centrifugasse o sangue, em brasa, em espirais tresloucadas pela estreiteza das veias, ao mesmo tempo que os pulmões reprimem o ar que quer libertar-se num grito de ferocidade guerreira.

Em simultâneo, a pele enruga-se ao máximo da sua elasticidade, como estivesse a fundir todas as células num único organismo bélico, pronto para explodir sem olhar aos danos colaterais.

As mãos entrelaçam-se no estalar de cada dedo, até que uma dor câmbrica formigue imparável entre as falangetas e os cotovelos.

O suor escorre, tal qual uma enxurrada, por todo o corpo. Acordo. Espirro. Nada demais. Apenas uma constipação por ter este hábito de dormir com a janela aberta.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 344 - Emanuel Lomelino

Os abutres não deixam de pairar sobre as cabeças insufladas de modernismo. Fazem voos rasantes, com a desenvoltura de quem confia no anonimato que as suas sombras protegem, e não temem as vozes esclarecidas porque, essas, são minoria.

As ideias passaram a ser raros oásis num deserto, de areias ociosas, cada vez mais extenso e repleto de tendas ocupadas por neodepressivos que ficaram enfermos por escutarem demasiados nãos, e pensam que os pixéis dos ecrãs táteis são ingredientes de medicina alternativa probiótica.

Por este andar, ainda um dia, haveremos de encontrar embalagens de alucinogénios e pachorra-diet nas prateleiras dos supermercados, ao preço de uva-mijona e com a possibilidade de ser paga em suaves prestações de bitcoins, via transferência telepática e sem prescrição médica.

Valha-nos a Santa Imaculada Paciência de origem mandarim. Digo deste modo porque especificar a nacionalidade seria propalar um estereótipo (sentimento que apenas um caucasiano privilegiado, como eu, é capaz de expressar).

terça-feira, 18 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 343 - Emanuel Lomelino

Ser adicto à leitura só se revela problemático se não existir a disciplina comportamental necessária, principalmente quando, após um livro, sentimos aquele impulso compulsivo de aprofundar uma temática ou contrapor ideias.

Nesses momentos de euforia literária, é preciso usar toda a força da resolução, e autocontrolo, para impedir-nos de correr à primeira livraria e comprar uma montanha de tomos relacionados com o original.

O mesmo acontece quando ficamos deslumbrados com a escrita de determinado autor e somos impelidos a adquirir, de supetão, todas as suas obras.

Aqueles que sofrem desta enfermidade cultural sabem o quão difícil é resistir aos ímpetos insaciáveis do conhecimento. A melhor forma de combater os sintomas é reler cada obra, pois a releitura sempre nos mostra algo que nos passou despercebido e pode responder a algumas questões, sem ser preciso ler outras abordagens. Outra forma de antídoto consumista é, sempre que possível, procurar antologias, colectâneas ou resumos biográficos, onde possamos estar em contacto com as obras de modo mais superficial, contudo, mais abrangente, porque, no final das contas, não precisamos saber todas as respostas. Muitas vezes basta conhecermos alguns fragmentos para alcançarmos, por nós mesmos, a ideia global.

Tirando isto, a leitura só traz benefícios.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 342 - Emanuel Lomelino

A questão é polémica, apenas e só, porque se transforma facilmente num argumento usado por cabeças ocas ou com intensões malévolas.

É propalada em discursos políticos demagogos e, dependendo do orador (e dos seguidores não-pensantes) pode frutificar nas massas, bastando para isso associá-la a outros assuntos, sobre os quais pouco ou nada se diz e faz.

Portugal é um país racista?

Os de direita são… com os imigrantes pobres. Os de esquerda são… com os imigrantes ricos. Os ricos são… porque empregam imigrantes pobres. Os pobres são… porque trabalham em empresas de imigrantes ricos. Os ricos são… apesar de fornecerem produtos às lojas dos imigrantes. Os pobres são… apesar de se abastecerem nas lojas dos imigrantes.

Sim, Portugal é um país de tradição racista, como demonstra o facto de a Dona Rosa (octogenária caucasiana minhota e analfabeta), que anda sempre com as palavras “preto”, “lelo”, “chinoca” e “monhé” na ponta da língua, ser a mais querida do bairro, por brasileiros, romenos, moldavos, africanos e asiáticos, que sempre lhe oferecem alguma coisa, ou o facto de duas crianças de colo, uma bengali e outra paquistanesa, quando a veem quererem logo ir para os seus braços.

Aos ouvidos de algumas “damas ofendidas”, os comportamentos linguísticos da Dona Rosa são demonstração de racismo. Aos olhos dos imigrantes, que com ela interagem, as suas atitudes inclusivas, de acolhimento e afecto, são a mais pura prova de que, quando não existem interesses para além de humanidade, as diferenças não existem.

domingo, 16 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 341 - Emanuel Lomelino

Mais uma tarde pardacenta a atravessar-se no meu caminho, como se a minha percepção das coisas fosse uma contínua divergência. O sol e a lua nunca deixaram de revezar-se e as nuvens são transição.

Os espelhos não refletem novidades, além de uma ou outra ruga mais acentuada, fruto dos carinhos do tempo e da labuta, e os pintarroxos insistem em ser tema de conversa, tantas vezes quantas eu escrevi sobre a perfeita sensibilidade do nenúfar preferido.

O pão não deixa de ser vida, os iogurtes de frutos vermelhos têm pedaços de morango e amoras, os golfinhos sempre serão mamíferos e a Rosa é mãe de três, avó de quatro, trisavó de outra tripla (por ora), e tem um gato oportunista como um político em campanha eleitoral (depois de satisfeito o seu pedido, vira costas e não quer saber de ninguém).

As horas correm, as tarefas executam-se, as refeições confortam, os cigarros matam, as dores sentem-se, os pensamentos fluem, a mente viaja, e a campainha toca (devem ser os dois livros, da Graça Pires, que encomendei).

Volto já!

sábado, 15 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 340 - Emanuel Lomelino

Farto de ser avaliado pelos hipotéticos feitos que lhe eram imputados, por um extenso leque de catedráticos de cortinado (seres alcoviteiros e com pouco sal nas próprias existências), Genuíno apoderou-se das rédeas da vida e deu-lhe outro rumo, sem importar-se com as reacções que essa decisão suscitaria.

Romper com hábitos adquiridos não foi tarefa fácil, no entanto, ele estava disposto a abdicar, mesmo que temporariamente, de situações que lhe eram prazerosas, consciente de que, por vezes, são necessários sacrifícios para se atingir um bem maior.

Embora nunca tenha expressado o sentimento, essa mudança de postura - mais circunspeta, fechado sobre ele mesmo – revelou-se acertada e trouxe-lhe uma paz de espírito inigualável, que passou a ser imprescindível para manter um elevado nível de serenidade e conforto mental.

Hoje, apesar de ter mais dúvidas do que certezas, Genuíno sente-se um homem seguro, com total domínio sobre a sua vida e, acima de tudo, confortável quando tem de cortar algum mal pela raiz.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 339 - Emanuel Lomelino

Imagem pinterest

Este não é um texto de saudosismo, mas tempos houve em que as cores do dia-a-dia eram mais vívidas, mais aconchegantes.

Os rios refletiam o brilho dos céus; as searas ondulavam a cor do sol; os pomares eram arco-íris de pêssegos, laranjas e maçãs, os jardins eram viveiros de rosas, margaridas, jacintos e tulipas, que cresciam entre ilhas de carvalhos, azinheiras, rododendros, glicínias e, por vezes, jacarandás.

O amarelo era alegria; o verde era esperança; o azul era tranquilidade; o conforto era castanho, a paixão era vermelha; o romantismo era rosa; a jovialidade era laranja; o respeito era preto; a paz era branca.

Hoje, sempre que vemos algo semelhante ao descrito, dizemos estar perante uma visão paradisíaca porque tudo ficou pálido, genérico, demasiado pastel e acelerado, e ficamos sem saber em que momento perdemos as cores e nos entregámos ao cinzentismo moderno.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 338 - Emanuel Lomelino

Imagem agrolink

Neste tempo que é o meu, os anos são cúmulo de água, cloreto de sódio, sangue, reticências, pontos e vírgulas.

Reúnem-se dores e lamentos que se transformam em bagagem-de-mão e escalam-nos até aos ombros, para terem uma vista privilegiada dos horizontes que nos esperam.

Os caminhos; os elementos; as ideias; os anseios; as esperanças; as derrotas; os contratempos; tudo são facas de gumes afiados preparadas para cortar a derme à primeira oportunidade; ao primeiro deslize; à primeira desatenção; ao primeiro baixar de guarda.

Noutro tempo que também foi o meu, as cicatrizes (físicas e mentais) eram medalhas de crescimento e a sensibilidade recusava ficar à flor-da-pele e nunca despertava por dá-cá-aquela-palha.

Os monossílabos não originavam depressões. As encruzilhadas não provocavam ansiedade. Os arrufos não geravam separação. Os atritos não empunhavam belicismo. Todos sabiam que a banha da cobra era escorregadia e o óleo-de-fígado-de-bacalhau sabia mal, mas nem por isso havia dúvidas existenciais nem associações de apoio a seres cheios de não-me-toques.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 337 - Emanuel Lomelino

Imagem dgartes

Olho pela janela aberta ao mundo. Deixo-me seduzir pelos voos intermitentes dos piscos e procuro, entre as gaivotas, alguma que se assemelhe a Fernão Capelo.

Há um desejo de ver piruetas infames e cambalhotas irreverentes, como quem só consegue sentir-se quando deambula entre os precipícios da esquizofrenia e o jazigo frio.

Reduzo o horizonte ao solo espraiado diante de mim e surpreendo-me com um gato sem botas nem florete que usa o seu crédito pessoal de vidas ao desafiar, com mortais cabriolados, dois rafeiros parcos de senso e língua salivante.

Detecto no felino essa fome de liberdade criativa e adrenalina presunçosa que é a ascensão de um espírito aventureiro e vagabundo, como um qualquer Tom Sawyer cansado dos Sid desta vida, sempre prontos a demonstrar a sua originalidade formatada, em palcos carmins sob iluminação lilás.

Regresso ao interior da casa com o intuito de transformar os meus devaneios oculares em algo ligeiramente parecido com literatura, no entanto, fica reforçada a ideia de que, por mais voltas e reviravoltas que dê, as minhas palavras nunca terão a elasticidade das fábulas e serão sempre a representação por extenso da minha inaptidão gímnica.

terça-feira, 11 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 336 - Emanuel Lomelino

Ausento-me de mim nas horas mais longas, à espera do momento certo para abraçar os pensamentos que me elevam.

Sou como um filtro de malha finíssima no garimpo da consciência, sem espaço para deixar-me enredar por irracionalidades pueris, que nada mais fazem do que emburrecer quem a elas se entrega.

Por não ser fácil manter a disciplina necessária para ganhar indiferença ao irrelevante, habituei-me a inundar a mente nos mergulhos que faço na literatura clássica - o meu eremitismo ajuda.

Com isto volto a reforçar a minha adoração pelo isolamento consciente e propositado; pelo silêncio solitário; pelas conversas mudas com os literatos do passado; com as minhas discussões internas. Mesmo que isso me coloque mais dúvidas do que certezas e mais perguntas do que respostas.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 335 - Emanuel Lomelino

Malditas são estas noites brancas onde sobressaem os sonhos interrompidos e impropérios, porque no raiar do dia tudo será exponenciado numa frustração inigualável por viver nesta época em que já não há fugas revoltosas.

Quem dera poder, sem problemas de consciência e isento de responsabilidade, recriar os teus passos de adolescente despreocupado e pegar a estrada rumo a qualquer lugar, que não este.

Ao contrário de ti, não posso simplesmente preparar um farnel com fruta, pão e enchidos, e fazer-me ao caminho, por dias e dias, deixando a vida para trás das costas. Tenho de honrar contratos, pagar contas e amparar uns quantos.

Por conta desta nobreza de carácter, tão inoportuna como castradora, sobra-me a resignação e razões de sobra para lançar, entre dentes (por ser madrugada), mais umas quantas obscenidades. Cada um no seu tempo e com o seu fado.

domingo, 9 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 334 - Emanuel Lomelino

Tive uma trabalheira desgraçada para refazer o pré-agendamento das páginas deste diário, de forma a poder encaixar este texto, no entanto, a pertinência temática obrigou ao esforço extra, para não se perder a actualidade.

À hora que escrevo estas linhas (10.50) já exerci o meu direito/dever, como cidadão eleitor, e votei em consciência.

Ao contrário de sufrágios anteriores, desta vez as mesas de voto estavam pouco concorridas e essa circunstância leva-me a tecer algumas considerações.

Se por um lado, ainda é cedo para aferir a percentagem de abstencionistas, não deixa de ser preocupante a abissal diferença de adesão comparando com as últimas eleições. Pode ser que até ao fecho das mesas de voto as coisas mudem.

Todos reconhecemos que, nas Europeias, os portugueses nunca foram muito participativos, contudo, dado o extremismo que se tem instalado na política nacional, não deixa de ser incómodo este comodismo.

Por mais que nos sintamos de mãos atadas perante a absurda incompetência e arrogância da classe política, as urnas são uma forma de mostrarmos proactividade e interesse pelos assuntos que realmente importam.

Confesso que durante muito tempo, também eu, pertenci ao grupo de abstencionistas e o meu argumento era, e talvez continue a ser, muito válido: se os políticos usam bastante a abstenção nas votações da assembleia, porque não hei de agir da mesma forma?

A resposta pode ser encarada de vários ângulos e, infelizmente, aquele que me fez voltar a usufruir do meu direito/dever, consagrado na constituição, está relacionado com o facto de não ser abastado e ter no registo dos cadernos eleitorais a única forma de desbloquear burocracias nas edilidades.

Por muito que custe admitir, os processos nas juntas de freguesia, autarquias e outras entidades públicas, só avançam tendo-se dinheiro ou comparência assídua nas eleições. De outra forma é difícil até receber licença para plantar orquídeas.

sábado, 8 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 333 - Emanuel Lomelino

Imagem freepik

Felizmente, há coisas sobre as quais já não escrevo. Não é autocensura, tampouco é cansaço das temáticas. Simplesmente escrevi tudo o que queria, e podia, sobre cada um desses assuntos e nada mais me resta dizer do que silêncio.

O ofício da escrita – e destes exercícios – também inibe a exclusividade e exige uma faceta criativa múltipla e diversificada, sob pena de martelar sempre as mesmas teclas e parecer um gravador em looping.

Depois, existem toneladas de palavras que merecem a minha atenção redobrada pela amplitude dos ângulos que posso abordar, tantos são os sinónimos à procura de emprego.

Por outro lado, caso seja necessário apontar dedos e culpados, peçam-se meças aos livros que se abrem aos meus olhos e aos raciocínios que afloram nesta mente irrequieta e esquizofrénica.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 332 - Emanuel Lomelino

É nestes exercícios de escrita que me abandono e encontro, vezes sem fim, por inteiro, sem lamentar a sorte nem chorar fados.

As palavras sabem como despir-me a alma (sem pudores nem tabus) e vestir-me o âmago (sem estéticas ou estilismos) porque todos os trajes são assessórios dispensáveis, que só existem por convenção e vaidade.

Um dia pensei ser criador de frases (aprendiz de qualquer coisa semelhante a literatura), mas a realidade esbofeteou-me e agora sei que são elas (as frases) que me constroem, me definem, me escrevem.

O que escrevo não sou eu, nunca fui.  Aquilo que escrevo é o que a escrita quer que eu pareça ser. E tudo isto porque eu medito no que ela me dita.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 331 - Emanuel Lomelino

Esta coceira subcutânea é uma reacção alérgica à imodéstia que voga nos ares circenses do universo individualizado das palavras.

Há um formigueiro que alastra corpo acima, como um farol de incómodo, e um outro, de jactância, que sobrevive à base de ácidos, pompa e circunstância.

A questão central é, precisamente, ser tudo lateral, periférico, limítrofe, marginal, à essência da arte. Tudo é engodo e subversão. Um chamariz veneziano para um corso de elitismo pedante.

O problema não está na vaidade presunçosa, mas sim nos rostos de plástico e sorrisos acetilenos, que escondem facas nos cós e fatuidade nos gestos, como se o mundo dependesse de esturjões e cosméticos, ao som de pífaros e violinos, numa noite de fábula e histórias da Carochinha, de portas cerradas aos pés-no-chão e olhos-abertos.

E não há metáforas suficientemente impactantes para descrever a arrogância pífia desta nova tendência aristocrata que grassa, e se alastra como sarna, nas letras Iscariotes.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 330 - Emanuel Lomelino

Imagem pngtree

O vício de conhecimento empurra-me para leituras inquietantes que, apesar do desconforto da não identificação, têm o condão de plantar algumas sementes com fortes probabilidades de germinarem em algo útil.

Esta circunstância ocorre amiúde porque, por alguma razão que a própria razão me oculta, formatei-me de modo a conseguir ver qualidade literária naquilo que está fora dos parâmetros do meu gosto pessoal.

Quando isto acontece, fico sobressaltado pela indigestão que a leitura me provoca, no entanto, porque tenho um número considerável de neurónios sempre predispostos a saber mais, dou por mim a funcionar como uma esponja que absorve de forma selectiva, mas consciente, conceitos que posso aplicar nas criações por vir.

Este processo é a soma de duas máximas ancestrais: “O saber não ocupa lugar” + “Nada se perde, tudo se transforma”.

terça-feira, 4 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 329 - Emanuel Lomelino

Deste lugar privilegiado, o horizonte é céu, terra, um rio navegado por inúmeras embarcações, uma ponte percorrida por uma infinitude de veículos, e todo o tempo que o meu olhar demora a perceber a totalidade da paisagem.

Igual extensão temporal existe na construção de puzzles, na leitura de dois capítulos dos Maias, ou na elaboração dos exercícios de escrita que, indiferente, partilho.

A mesma cadência existe no entrançar de pensamentos desta mente irrequieta, que se dedica (de corpo e alma; de fio a pavio) a dar voz à esquizofrenia que me define.

Não há nada mais nefasto para um ser-escrivão do que a ociosidade das mãos e a preguiça de uma pena.

Por isso, quando não escrevo sinto-me inútil e faço das tripas coração para que as folhas de papel (ou a tela do PC) estejam de bom humor e aceitem receber as palavras que nascem de mim.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 328 - Emanuel Lomelino

Abrem-se as portas da introspecção e na balança do deve e haver são pesados todos os passos, recuos e avanços.

Na avaliação, somam-se virtudes, méritos, nobreza, honra e altruísmos, e subtraem-se defeitos, vícios, transgressões, imperfeições e fraquezas.

O resultado desse exercício meditativo nem sempre corresponde à realidade porque existe uma tendência para a parcialidade, contudo, sendo-se honesto, chega-se a conclusões interessantes que podem ser benéficas, se usadas para limar arestas e alterar comportamentos.

Seja como for, a reflexão é a base holística do autoconhecimento e jamais pode ser reprimida, bem pelo contrário, deve ser entendida como uma oportunidade única para analisarmos as diferenças entre aquilo que queremos ser e o que somos na realidade. Só depois poderemos concluir se temos a fibra necessária para nos transformarmos no nosso ideal.

domingo, 2 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 327 - Emanuel Lomelino

Estou cansado destes ares poeirentos que teimam em frequentar os espaços, sem ventilação, onde exerço o labor que me mortifica.

Não há um dia sem que essa presença fétida e mórbida fique a pairar sobre mim, como nuvem de tempestade iminente, mesmo resguardado no vazio das ideias e na leveza dos passos.

É uma fadiga crescente, ácida e pérfida que, acima de tudo, consegue perpetuar todos os desconfortos mais tempo do que o necessário, como um post-it esquecido e com lembrete desatualizado.

É inglório chegar-se à madurez da existência, apto para gerir colateralidades e administrar as doses certas de equilíbrio, e ter de inalar todos os vapores inválidos e fora de prazo, expelidos pelas chaminés do infortúnio, como um despertador que recusa silenciar-se.

Neste contexto, há muito deixei de acreditar ser possível escrever direito por linhas tortas. Por mais que as estique voltam sempre a encarquilhar.

sábado, 1 de junho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 326 - Emanuel Lomelino

Quando sou abraçado pela paz dos meus mais preciosos silêncios, consigo levitar sobre a dureza dos dias como nuvens sopradas pela brisa matinal de verão.

Nas veias, correm livres, jangadas de júbilo sobre rios de esperança e o corpo, suspenso num raro frémito aliviado de tensão, flutua numa boia de confiança, prazer e bem-estar.

Os passos nascem com a agilidade felina e corajosa de quem enfrenta o mundo de peito aberto às adversidades, e os gestos brotam soltos, leves e indolores, numa completa indiferença sensitiva, apenas acessível pela dose certa de robustez emocional.

As encruzilhadas são meros detalhes de uma jornada que se faz primaveril, para deleite dos sentidos anestesiados pela beleza dos horizontes, que se mostram mais nítidos e definidos.

Depois… bem, depois volta o cinzentismo dos dias invernais, mas o espírito, calibrado pela serenidade da reflexão, tem a firmeza suficiente para ultrapassar os obstáculos que os combates da vida proporcionam.