sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Lomelinices 22 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 


22


Tento dedilhar a guitarra da vida, mas os acordes são disformes e não sou capaz de criar uma harmonia que não me fira os ouvidos. Definitivamente não sou músico.

Tento pintar a tela da vida, mas as pinceladas saem irregulares e não consigo acertar nas tonalidades, sombras e brilhos que contrastam com aquilo que quero retratar. Infelizmente não sou pintor.

Tento esculpir o rochedo da vida, mas os vértices que faço ficam rombos a cada passagem do escopro e a burilagem é tão desgastante que apenas consigo gravar migalhas. Compreensivelmente não sou escultor.

Tento refinar os troncos da vida, mas os sulcos que moldo são incompatíveis com os encaixes que modelo e os entalhes ficam tão amorfos que nem as fogueiras os querem como lenha. Miseravelmente não sou marceneiro.

Tento avigorar o ferro da vida, mas não tenho habilidade para dar à forja o calor suficiente para temperar o metal, que quebra na primeira martelada e o pesado malho trilha-me as mãos mais do que me fortalece. Categoricamente não sou ferreiro.

Perante tão humilhante incompetência, conclui-se que é a vida que me dedilha, pinta, esculpe, refina e avigora, e eu sou simplesmente a obra do seu ofício.

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