quarta-feira, 3 de julho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 358 - Emanuel Lomelino

A aspereza rústica nas dobras dos dedos, que já dificulta cerrar os punhos, mais do que embrutecer o individuo, esconde a civilidade branda do toque.

A rijeza da derme tisnada pelo sol, curtida pelo vento, esculpida pela chuva, mais do que mirrar o corpo, oculta a polidez sensível do carácter.

O olhar rubro-vítreo, com cataratas e teias bailarinas, mais do que sombrear os horizontes, mascara o discernimento da alma.

Por mais tosco e quebrantado que alguém possa parecer, nunca podemos esquecer que a própria natureza é dissimulada e um simples pedaço de carvão pode ser um diamante camuflado.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 357 - Emanuel Lomelino

Já perdi a conta ao número de vezes em que te falei sobre a migração das aves sazonais. Sim, aquelas que pavoneiam as dermes pintadas com as cores da moda e, quando a ilusão do estio se arrasta na imodéstia dos oásis virtuais, revelam a sua natureza necrófaga.

Pertencem a uma espécie com altos índices de propagação, têm uma habilidade ímpar para o logro e são capazes de metamorfosear-se de acordo com as necessidades e/ou conveniências.

Alertei-te também para a perspicácia destes seres que sabem “veneziar-se” sob as luzes dos holofotes enquanto as sombras albergam os seus verdadeiros rostos.

Dito isto, e porque muitos desconhecem o carácter maledicente de papagaios, corvos, araras, gralhas, pavões e abutres, o melhor é não colocar milho nas mãos nem alpista nos comedouros, não vá algum outro passeriforme cuspir nos pratos que lhes tens servido.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 356 - Emanuel Lomelino

São poucos, infelizmente, aqueles que têm consciência da diferença entre o que se pensa saber e a sabedoria que se possui.

Vê-se por aí tanta gente a exibir certezas absolutas sem conhecimentos básicos, como se as verdades de cada vida fossem dogmas universais.

Se só existissem rectas e vias paralelas, talvez pudéssemos aplicar uma linearidade transversal, no entanto, todas as encruzilhadas, cruzamentos, desvios, e livre-arbítrio, demonstram quão longe a humanidade está de poder considerar a vida uma ciência exacta como a matemática mais simples.

Apesar do ponto de partida e de chegada ser o mesmo para todos, sem excepção, os caminhos entre o início e o fim diferem. E tudo isto é assim porque, na contabilidade da vida, podem-se fazer muitas contas diferentes para se obter um só resultado.